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AUDIOdescrição

Walter Firmo

no verbo do silêncio a síntese do grito

19 Cantora Clementina de Jesus durante peça "Rosa de Ouro"

Parada 19 - Obra 17: Cantora Clementina de Jesus durante peça Rosa de Ouro

Audiodescrição: A fotografia em preto e branco, retangular na horizontal, intitulada Clementina de Jesus durante peça Rosa de Ouro, de 1962, mede 123 cm de comprimento por 83 cm de altura e está na parede com moldura fina, de madeira escura. Retrata Dona Clementina, uma senhora negra, vista de costas, no palco, com os braços abertos. Ela usa vestido branco de mangas curtas, com detalhes em renda, e sapatos brancos com salto pequeno. Do lado esquerdo do palco, paredes cobertas de pôsteres. A plateia está repleta de espectadores atentos, que apreciam a apresentação de Clementina de Jesus. Duas cadeiras de madeira com espaldar alto estão no palco. Um foco de luz na diagonal, de cima para baixo, incide sobre Clementina de Jesus no palco.

Ouça agora o depoimento de Walter Firmo sobre esta obra e, em seguida, um texto de parede.

Clementina de Jesus, uma peça chamada Rosa de ouro, uma peça cantante, né? musical. Rosa de ouro, meu tesouro, eu quero tê-la... do peito... E está aqui, a Divina, que ela é minha amigona, fizemos uma grande amizade ali, no palco, cantando, com sua majestade, lindamente, a plateia ouvindo com atenção, né?, toda a sua magia e negritude.

...no verbo do silêncio a síntese do grito

Este andar da exposição é dedicado exclusivamente à fotografia em preto e branco de Walter Firmo. É uma oportunidade única de fruição dessa sua produção ainda pouco conhecida e em grande parte inédita, em especial em suas dimensões estéticas, formais e autorais, estabelecendo um diálogo direto com sua vasta produção em cores, presente no primeiro andar da mostra.

A cor é certamente uma das características centrais da obra de Firmo, mas não a única. Ao compreender a produção visual como ato político, é na expressividade de suas imagens por intermédio da encenação, das cores, da vocação retratista, da nomeação dos sujeitos, da temática (família importa, amigos importam, amores importam, cotidiano importa, celebrar importa, iconicidade importa) que ele mostra como “nossas vidas são complexas”.
Como pode ser constatado nas imagens aqui reunidas, sua produção em preto e branco percorre os mesmos compromissos do artista com a negritude. Firmo realiza séries notáveis, como as imagens do universo da música popular, que incluem imagens de Clementina de Jesus, Pixinguinha e Cartola, entre outros, muitas delas reunidas em vídeo neste andar. Realizadas na primeira metade dos anos 1960, antecedem as imagens icônicas em cores desses mesmos artistas, que Firmo viria a realizar anos depois.

Essas imagens dialogam com as demais séries em preto e branco, que percorrem os universos de afetividade e força pessoal e cultural dos indivíduos retratados, bem como das manifestações e festas populares em várias regiões do país. Elas revelam em Walter Firmo tanto o poder de síntese narrativa da imagem única, construída, encenada e teatralizada, como também a força do registro documental direto e narrativo quando utilizado como olhar a contrapelo, olhar de oposição e contravisualidade.

Outras séries fundamentais em seu trabalho, como aquela produzida no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 na praia de Piatã, em Salvador, são mostradas pela primeira vez nesta exposição. No reduto de lazer da população preta da capital baiana, Firmo fotografa ao longo de vários anos,em formato 6 x 6 cm, cenas do cotidiano de ocupação daquele espaço por famílias, casais, jovens e crianças negras, todos em pura fruição de um espaço público aparentemente desprovido de elementos e signos que caracterizem o racismo estrutural vigente neste país. Lidas em conjunto, as imagens parecem operar no âmbito da suprarrealidade. Ao mesmo tempo que são documentais e diretas, configuram por outro lado uma narrativa de aparente surrealidade, por confrontar o olhar naturalizado e hegemônico que constrói e sustenta as narrativas prevalentes da estrutura estamentária e racial do país, que sistematicamente excluem e invisibilizam a possibilidade de cenas como as construídas e reveladas por Firmo em Piatã.

Por meio de uma poética própria, a fotografia de Walter Firmo constrói, em suas múltiplas vertentes, as sintaxes e sínteses de mensagens capazes de penetrar as estruturas sociais e culturais, transformando-as.

Sergio Burgi, curador

Janaina Damaceno Gomes, curadora adjunta

Vamos conhecer a próxima obra: Cozinheira Alaíde Conceição, que tem um totem na frente com a reprodução tátil da obra. O QR code encontra-se sobre o totem, à direita da obra.