O ensaísta das imagens
15 DE MARÇO DE 2019 | Mànya Millen
Desde que iniciou sua carreira como cineasta, em meados dos anos 60, até sua morte, em 2014, o artista alemão Harun Farocki manteve sempre um ponto de interrogação como fio condutor de seu trabalho. Ao analisar a circulação de imagens no mundo, do cinema aos violentos jogos eletrônicos, Farocki procurou mostrar que nenhuma delas é totalmente inofensiva, e convidava o espectador a assumir um papel crítico diante do que vê. Portanto, numa era em que milhões de informações são recebidas e consumidas de forma apressada em múltiplas mídias, a obra do artista permanece mais que relevante e atual, como o público pode conferir em Harun Farocki: quem é responsável?, exposição que o IMS Rio apresenta entre os dias 16 de março e 30 de junho.
Sob a curadoria da cineasta alemã Antje Ehmann, responsável pelo espólio Farocki, em Berlim, e de Heloisa Espada, do IMS, a mostra – que será apresentada também no IMS Paulista a partir de setembro, com trabalhos distintos – reúne videoinstalações e filmes que provocam indagações e exigem um espectador atento. Como afirma Antje, companheira do artista, cada trabalho demanda mais do que uns poucos minutos protocolares diante dele. “Na obra de Harun existe sempre uma história, uma narrativa a ser acompanhada. Você não vai entender nada se não assistir do início ao fim”, diz ela.
“Farocki era um pensador das imagens, do cinema, da arte. Um ensaísta, porque as obras dele são ensaios audiovisuais”, compara Heloisa. “É como se ele não criasse hierarquias, para ele toda imagem tinha uma potência muito grande”.
Criador de mais de uma centena de instalações e filmes – dois deles, Imagens do mundo e inscrição da guerra e Intervalo, serão apresentados no cinema do IMS Rio durante a mostra –, Farocki foi diretamente influenciado pelos movimentos revolucionários de 1968, o que pode ser visto na voltagem política de sua produção.
Ao mirar as relações estreitas entre a indústria do entretenimento e a indústria de guerra (em Jogos sérios I-IV, 2009-2010); a hipervigilância da sociedade através da multiplicação das câmeras de segurança (Contramúsica, 2004); ou as fronteiras difusas entre realidade e ficção proporcionada pelo avanço da tecnologia digital e os violentos games (na série de filmes Paralelo I, II, III e IV ), Farocki estimula o espectador a encarar as imagens de uma forma desconfiada, buscando o contexto e a mensagem – que sempre carrega um teor político, alerta ele – por trás de cada uma. “A análise que ele faz na década de 60 serve muito para hoje. Para olharmos com mais desconfiança para um meme, uma foto do Instagram, uma notícia do WhatsApp, isso é o que a exposição traz”, conta a curadora do IMS.
Embora sejam diferentes, as obras apresentadas no Rio e em São Paulo, um dos maiores conjuntos do artista já mostrado no Brasil, são complementares. “No IMS Rio as pessoas vão ver Farocki falando sobre imagens numa capa de jornal, comentando uma ilustração de folheto ou livro didático, as câmeras de segurança, videogames... Ele vai nos mostrando que nenhuma dessas imagens que estão no nosso cotidiano o tempo todo, nos rodeando de várias maneiras, são inocentes”, frisa Heloisa, adiantando que o conjunto a ser apresentado no IMS Paulista estará mais focado no mundo do trabalho.
Entre as obras presentes no Rio, Heloisa destaca Paralelo, de 2014, derradeiro trabalho de Farocki, que nos últimos anos se dedicou pensar a natureza das imagens eletrônicas, digitais, totalmente artificiais, criadas para jogos. “Ali ele já aponta como essa imagem digital já não tem mais nenhum lastro com a realidade. Pode ser criada pelo computador, e embora tenha uma aparência de fotografia, não parte de algo que estava acontecendo realmente”, diz ela, lembrando que enquanto a tecnologia amplia as possibilidades para o cinema e os games, também se torna mais nociva porque menos transparente. “Você é mais facilmente enganado sem se dar conta disso. Farocki tenta abrir nossos olhos para isso, sempre tentando criar no espectador um ponto de vista autônomo. Você é um observador e está sempre implicado. Então quem é responsável por tudo isso que estamos vivendo? Todos nós somos, de alguma maneira, e é para a gente se fazer essa pergunta mesmo”.
Programação
Nenhum evento encontrado.