Volta por cima do jardim
3 de outubro de 2019 | Mànya Millen
No início de 2019, quando o IMS Rio já pensava nos preparativos para comemorar suas duas décadas de existência, completadas em 1 de outubro, o céu desabou sobre o Rio de Janeiro e sobre a casa na Gávea, sombreando o ano de celebração. O temporal que devastou a cidade em 6 de fevereiro assolou também os jardins do IMS, criação do paisagista Roberto Burle Marx para a casa projetada pelo arquiteto Olavo Redig de Campos como residência da família Moreira Salles, que ali morou de 1951 até os anos 80. Árvores e arbustos perderam folhagens e galhos, outros espécimes tombaram totalmente, transformando o cenário numa pálida lembrança do que era.
A principal perda daquele dia foi o jambeiro que ficava em frente à recepção, e que encantava os visitantes com o vistoso tapete de pétalas rosas que se formava ao seu redor a cada floração. A tristeza pela queda da árvore foi tamanha que inspirou um texto emocionado do poeta Eucanaã Ferraz, consultor de Literatura do IMS. A meta passou a ser, então, ver o espaço restaurado, e ocupando o lugar de destaque que sempre teve, antes dos festejos dos 20 anos. O resultado, que já pode ser apreciado pelo público desde o dia 1 de outubro, é um novo jardim que acabou se aproximando do projeto original dos anos 50, tornando mais visível o desenho das formas orgânicas pensadas por Burle Marx, como se vê no vídeo de Laura Liuzzi, que acompanhou todo o processo de restauração.
“Grande parte do trabalho foi tentar adaptar as espécies à condição de muito mais luz do que tínhamos aqui até então. Desde a implantação dele, em 1951, era um jardim de meia sombra para sombra, e com a queda das árvores adultas, que faziam essa proteção, virou um jardim de sol pleno. Isso nunca havia acontecido antes”, explica Gustavo Leivas, arquiteto paisagista associado ao Escritório de Paisagismo Burle Marx, responsável pelo projeto de restauração – processo acompanhado também pela empresa Mangará, que cuida da manutenção dos jardins do IMS.
No processo de adaptação à nova realidade solar, o jardim foi retomando sua estrutura original, sem no entanto ficar exatamente igual. Até porque, como pontua Leivas, jardins estão sempre em constante mutação. “Em 1999, quando a casa foi inaugurada, ele já não era mais o mesmo que dos anos 50. A vegetação é dinâmica”, diz Leivas. “Então o desafio foi trazer de volta a originalidade dos desenhos, além do contraste entre volumes e texturas que ele tinha, mas usando plantas de pleno sol, que é a condição atual”.
Em 1995 o jardim já passara por algumas adaptações feitas por Haruyoshi Ono (1943-2017), discípulo e sócio do escritório de Burle Marx desde a década de 60. “Haruyoshi conviveu com Roberto durante 30 anos, e essa visão dele foi muito valiosa. Procuramos aproximar ao máximo dessa proposta de 95, que já era uma tentativa de chegar perto do primeiro projeto. Sobretudo a parte central agora está muito fiel ao original”.
Entraram no jardim várias espécies novas, mais amigáveis ao sol, algumas delas num tamanho que já faz volume no espaço, outras que ainda demorarão algum tempo para crescer e fazer sombra, como um novo jambeiro de aproximadamente três anos, plantado exatamente no lugar do antecessor que tombou sob a tempestade. Ele alcançará o dobro do tamanho em dez anos, segundo Leivas, que cita a árvore como exemplo do dinamismo de um jardim. O jambeiro não fazia parte do projeto original de Burle Marx, foi plantado posteriormente. Porém, passou a fazer parte da história afetiva da casa de tal forma que a espécie foi reconduzida ao cenário.
Embora haja algumas árvores e arbustos que dão flores, como o gengibre azul, a helicônia e o próprio jambeiro, a marca do jardim sempre foi o contraste entre diversos volumes e tons de verdes das folhagens. “É o caráter tropical que esse jardim tem, conversa bem com o movimento das formas mais orgânicas desenhadas por Burle Marx”, diz Leivas.
Para finalizar o trabalho, nada melhor que uma iluminação especial, também inaugurada no dia 1 de outubro. O arquiteto conta que o projeto foi pensado para valorizar a estrutura arbórea que permaneceu, como a jaqueira e o pessegueiro, e para destacar as espécies que estão em crescimento. “É uma iluminação discreta, sóbria, nos pontos principais, que vai mostrar esses volumes e tons distintos que são a riqueza desse jardim. Um jardim para ser usado, percorrido, visto de diferentes ângulos”.
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