27 de janeiro de 2023 | Nani rubin
No dia 3 de fevereiro o centro cultural The Shed, em Nova York, inaugura a exposição The Yanomami Struggle, numa nova etapa da itinerância da mostra Claudia Andujar: a luta Yanomami, realizada pelo Instituto Moreira Salles. A exposição inaugurada no IMS Paulista em dezembro de 2018, exibida depois no IMS Rio e, em seguida, apresentada em grandes instituições da Europa, como a Fondation Cartier pour L'Art Contemporain, em Paris, a Fundación Mapfre, em Barcelona, e o Barbican Centre, em Londres (veja aqui todas as passagens da mostra) chega aos Estados Unidos diferente.
Claudia Andujar sai do título, mas mantém sua presença forte, catalisadora da exposição. A mostra passa a abrigar, ao lado de cerca de 200 obras da fotógrafa, 80 desenhos e pinturas dos artistas Yanomami Davi Kopenawa (o líder indígena, xamã e escritor exibirá os desenhos feitos para o livro A queda do céu, coescrito com Bruce Albert) André Taniki, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, Orlando Nakɨ uxima, Poraco Hɨko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi. E ainda trabalhos em vídeo dos cineastas Yanomami Aida Harika, Edmar Tokorino, Morzaniel Ɨramari e Roseane Yariana.
The Shed é apenas a primeira parada de uma nova etapa da itinerância. Depois de encerrar a temporada no centro cultural de Manhattan, em 16 de abril, A luta Yanomami será exibida no México – primeiro no MUAC, na Cidade do México, a partir de maio, e depois no Museo Amparo, em Puebla, com inauguração em novembro. O tour pelo continente americano prossegue em 2024 pela Colômbia, no Museo de Arte Banco de La República, em Bogotá, onde abre as portas em abril, e pelo Chile, no Centro Cultural La Moneda, em Santiago, para ficar em cartaz de setembro de 2024 a janeiro de 2025.
Algumas obras da exposição The Yanomami Struggle (clique na miniatura para ver em tamanho maior)
Outra exposição realizada pelo IMS, Daido Moriyama: uma retrospectiva, também ultrapassa as fronteiras do Brasil para ser exibida a partir deste ano em quatro países, e mais um quinto a ser confirmado. A mostra começa sua jornada em maio pelo C/O Berlin, espaço cultural na capital alemã dedicado à fotografia e às mídias visuais. Inaugura em seguida em Londres, na The Photographer's Gallery, em outubro. Em 2024 segue a turnê europeia abrindo em fevereiro em Helsinque, no The Finnish Museum, e, em junho, no Photo Elysée, em Lausanne, na Suíça. Há ainda a possibilidade de ser exibida em Viena. O catálogo lançado pelo IMS será publicado em inglês pela Prestel Publishing, uma das mais importantes editoras no campo das artes, arquitetura e design.
Para João Fernandes, diretor artístico do IMS, as duas itinerâncias por museus de destaque no cenário internacional são uma evolução natural do trabalho realizado pelo instituto, pela natureza e relevância dos acervos guardados e constantemente enriquecidos – "a Claudia Andujar é um dos exemplos desse enriquecimento, a partir do momento em que hoje temos sob nossa guarda a sua obra fotográfica e ao mesmo tempo todo esse patrimônio riquíssimo produzido por ela com os Yanomami desde a década de 1970", diz.
João Fernandes observa ainda a circunstância favorável dos temas tratados. "É interessante dizer que as duas exposições que temos neste momento em itinerância internacional resultam também dos movimentos que as situam no Brasil e no mundo", diz ele. "Estamos trabalhando com uma artista como a Claudia e com as questões indígenas que ela sempre portabilizou no seu trabalho, pelas quais sempre lutou, como a demarcação da terra Yanomami, num momento em que o mundo tem os olhos no Brasil, pelo fato de o país ter a maior floresta tropical do mundo. Isso é hoje um assunto global, planetário". Por todos os lugares por onde tem passado, o mundo sente que deve ter solidariedade, seja na questão da Amazônia e das suas culturas, seja na proteção da biodiversidade e de toda as etnias que lá se encontram e que vêm sendo ameaçadas no Brasil.
Em relação à mostra de Daido Moriyama, um nome fundamental da fotografia no século XX, ele nota que é um artista "que concentra esta dupla função que a arte muitas vezes tem de trabalhar um contexto muito local e ao mesmo tempo dar uma universalidade a esse contexto. A fotografia do Daido é profundamente japonesa, e ele pode fotografar a sua Tóquio por todo o mundo, mesmo quando fotografa em São Paulo, Buenos Aires ou Nova York. E por isso essa exposição que o IMS produziu pensada para apresentar a obra do Daido no Brasil apresentou também requisitos internacionais para que pudesse circular e ser apresentada no mundo."
Diretor executivo do IMS, Marcelo Mattos Araujo vê o circuito internacional das duas exposições como um momento de consolidação das atividades do instituto. "Estamos celebrando mais de duas décadas e meia de trabalho, o IMS já desenvolveu projetos internacionais, como a itinerância da Claudia Andujar na Europa e a exposição da Madalena Schwartz no Malba em Buenos Aires, mas sem dúvida essas duas itinerâncias são um sinal da consolidação do trabalho do IMS e das suas equipes. Quando a gente fala em consolidação obviamente está falando de um trabalho que é resultados de anos: sedimentação de toda uma capacidade de constituição de acervo, de pesquisa, de reflexão, de capacidade inclusive operacional, porque essas itinerâncias demandam capacidades operacionais enormes. Começa no sentido de criação, estabelecimento dessas conexões com outras instituições, mas continua na gestão de transporte, no seguro, embalagem, toda essa multiplicidade de atividades técnicas que demandam a maturidade que o IMS está revelando e desempenhando de uma maneira muito positiva."
Curador das duas mostras (a de Claudia, com cocuradoria de Valentina Tong, e a de Daido, com Daniele Queiroz), Thyago Nogueira, coordenador de Fotografia Contemporânea do IMS, destaca a relevância de ambas as exposições serem requisitadas por museus e centros culturais desse porte:
"O mais importante, politicamente, não é só termos um projeto lá, mas sermos reconhecidos pelas instituições na mesma altura de produção de conhecimento delas; e elas terem, por isso, que mobilizar orçamentos internos relevantes para acessar este conhecimento", diz. Ele observa que há no processo uma inversão da lógica colonial, artística e política: "Não é fácil uma instituição latino-americana exportar conhecimento no mesmo nível do que está sendo produzido pelas instituições da Europa, por exemplo. Em geral a gente está sempre em posição subalterna, tendo que pagar para mostrar o que produzimos."
Ele ressalta que a exposição de Claudia Andujar foi o primeiro projeto exibido na Fundação Cartier realizado por um museu externo. O mesmo, diz Thyago com o Barbican, em Londres. Agora, com a mostra ampliada para expor a obra de vários artistas Yanomami, é desejo dos museus explorar a conexão dos Yanomami com os povos indígenas locais. O The Shed, conta Thyago, se deu conta de como ainda estava atrasado no diálogo com os povos indígenas da região. "Eles estão criando, a partir disso, um conselho com espécie de líderes indígenas para saber como o museu se posiciona e trabalha estas questões." O mesmo acontece em outros locais, como Chile e Colômbia, no que promete ser uma nova dimensão interessante da exposição, a de "acelerar essa relação das instituições com as suas próprias questões indígenas", antecipa ele.
The Yanomami Struggle promete ser emocionante num momento em que as questões postas em foco desde os anos 1970 por Claudia Andujar reverberam de forma intensa desde que as imagens de indígenas em situação de severa desnutrição começaram a circular pelo mundo, na segunda quinzena de janeiro, depois de noticiadas pelo jornal Sumaúma – a reportagem relatou a morte, por causas evitáveis, de 570 crianças indígenas no território Yanomami nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Além de Claudia Andujar, irão a Nova York Davi Kopenawa, Dario Kopenawa e mais quatro artistas Yanomami, que, além de falarem na abertura da mostra, cumprirão uma agenda política que deve incluir visitas à ONU, a Washington e a universidades como Princeton. "A exposição é uma plataforma para amplificar essas vozes, temos que encontrar oportunidades para que eles conversem com públicos que estão fora do centro das artes, em departamentos de Antropologia, de Ciência Política", diz Thyago.
Essas atividades que vêm sendo desenvolvidas com mais frequência em âmbito internacional são, mais do que uma internacionalização do IMS, um processo de divulgação e circulação dos acervos do instituto pelo Brasil e outros países. "Elas vêm se somar a atividades que o IMS desenvolve não só nos nossos três centros culturais (IMS Rio, IMS Paulista e IMS Poços), mas também em parceria com outras instituições brasileiras que obviamente constituem nosso território privilegiado de atuação", diz Marcelo Mattos Araujo. Só em 2022, o IMS emprestou uma série de obras para exposições, além de ter licenciado outras tantas publicações, produções audiovisuais, um número impressionante que atesta o trabalho valioso de preservação de acervos empreendido pelo instituto.