Klondike – A guerra na Ucrânia, que entra nos cinemas nesta sexta-feira (5 de maio), não fala sobre a invasão russa em curso no país, nem “explica” o conflito entre os dois países. Dirigido por Maryna Er Gorbach e premiado no Sundance e em Berlim, o filme foi rodado no ano passado e apresentado ao mundo em fevereiro de 2022, semanas antes da eclosão do atual conflito.
A ação narrada em Klondike se passa em 2014, numa pequena propriedade rural no leste da Ucrânia, perto da fronteira com a Rússia. Ali, o casal formado por Tolik (Sergey Shadrin) e Irka (Oksana Cherkashyna) se prepara para a chegada do primeiro filho. Irka, na fase final da gravidez, quer dar à luz em casa, mas Tolik quer levá-la para um lugar mais seguro, já que os confrontos entre separatistas pró-Rússia e nacionalistas ucranianos parecem chegar cada vez mais perto.
A discussão conjugal é interrompida por um acontecimento repentino e brutal: um míssil atinge a casa, derrubando uma parede inteira. Essa cena brevíssima condensa, de certa forma, todo o sentido do filme: a guerra invade a casa, a vida privada é transtornada pela história coletiva. A perturbadora imagem de uma residência mutilada, aberta aos perigos do mundo, e que ainda assim tenta cumprir seu papel de lar, estará presente até o final.
Confusão e absurdo
A sensação de atordoamento e confusão dos personagens é compartilhada pelo espectador. Logo ficamos sabendo que há grupos de separatistas e mercenários pró-Rússia disputando com nacionalistas ucranianos o controle da região. De modo geral, o casal tenta se manter à margem, mas Tolik se vê forçado a colaborar com os separatistas, o que o coloca em confronto com o irmão de Irka, Yaryk (Oleg Shcherbina). Irka fica no meio, tentando preservar a família e colocar em primeiro plano a vida privada.
O apego dessa mulher à vida concreta, às tarefas básicas da sobrevivência, contrasta com a sanha bélica dos homens ao redor, com a “glória de mandar, a vã cobiça” de que falava Camões. A queda de um avião de passageiros da Malaysia Airlines, derrubado por um míssil numa área próxima, acrescenta confusão e absurdo à situação.
É nesse ponto – o absurdo – que o filme, a meu ver, transcende o mero registro realista dos males da guerra. Para além dos limites da casa, o que se vê é um descampado sem fim, uma região aparentemente deserta e desprovida de atrativos. Por que essa gente não foge logo dali?, somos tentados a perguntar. Há os impedimentos concretos – um carro emprestado que nunca chega, os grupos armados rondando a região –, mas parece haver uma força maior, invisível, que retém os personagens. Como no Anjo exterminador de Buñuel, eles se agitam, se chocam, se desgastam, mas não conseguem sair do lugar. Há algo de kafkiano ou beckettiano nessa imobilidade.
Klondike é um filme seco, duro, sem concessões. Os diálogos são curtos, bruscos, pouco explicativos. O fato de as falas serem proferidas em russo ou em ucraniano é tão importante quanto o que é dito. Sempre que possível, explora-se ao máximo a duração dos planos contínuos, em que o espectador é instado a passear o olhar pelo quadro e buscar referências para entender melhor o que se passa. A sensação geral é de angústia e sufocamento diante de um horizonte sem fim.
Num conto célebre de Jorge Luis Borges, um rei impõe a seu inimigo o pior de todos os labirintos, “onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros para impedir a passagem”: o deserto. Em Klondike (título que remete ironicamente à região noroeste do Canadá, onde houve uma corrida do ouro no final do século 19), o espaço é infinito, mas não há para onde correr. A guerra está em toda parte.