Los silencios está em cartaz em abril e maio nos cinemas do IMS Paulista e IMS Rio
Para mim, o processo de pesquisa é fundamental para a feitura de qualquer filme. Adoro mergulhar em universos que parecem distantes do meu, mas que logo descubro o quão íntimos e pessoais também podem ser. Quando percebo, me vejo no outro, e descubro nossa humanidade compartilhada. Este filme chegou até mim por uma amiga colombiana, que me contou uma história de quando imigrou para o Brasil, ainda criança. A partir daí, comecei a sonhar com as imagens que ela me trouxe e comecei a entrevistar mais de 80 famílias de imigrantes colombianos vivendo no Brasil, muitas delas em Manaus e em São Paulo, com o apoio do Fundo Ibermedia, para o desenvolvimento do projeto. Li dezenas de livros, passei meses viajando, tanto na Colômbia quanto na Amazônia brasileira, ouvindo relatos, absorvendo tudo. Para então deixar tudo de lado e começar a escrever, e reescrever o roteiro, livremente, confiando que meu consciente havia absorvido tudo o que era necessário para contar esta história. Desde que ouvi a história de minha amiga, até o primeiro dia de filmagem, passaram-se oito anos. Agora, no lançamento, vai fazer quase 10 anos que tudo começou.
Eu estava buscando locações de comunidades de palafitas, quando encontrei a ilha da Fantasia, na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, parcialmente submersa pelo rio Amazonas. Era o lugar perfeito para contar esta história de pessoas ‘entre mundos’: entre países, entre a vida e a morte, entre línguas, silêncios, entre fronteiras. Conversando com os habitantes do lugar, percebi que ali havia toda uma cosmologia fantasmagórica que simplesmente era a concretização daquilo que estava buscando. Foi realmente mágico! Aí resolvi reescrever o roteiro, para poder ter aquelas pessoas de verdade atuando no filme, trazendo seus conflitos para a tela, como quando fazem a assembleia em que se negam a vender a ilha para um empreendimento imobiliário. Isso aconteceu de verdade ali. E essa tensão entre a resistência deles em permanecer naquele território e agentes que querem expulsá-los continua acontecendo. Como em tantas partes da América Latina.
Durante as filmagens, fomos três vezes com a equipe rodar no Amazonas, pois era importante pro filme pegar o movimento das águas, que sobem no filme e invadem a casa de palafitas onde a família está, conforme o processo de luto da mãe também transborda. Na época da cheia, tivemos que dividir as equipes em canoas e barquinhos: havia um barco para a câmera, onde só estava a DOP, o foquista e eu, para ser o mais estável possível, outro barco com a equipe de som, outro com a equipe de arte, outro com o elenco, outro com a produção, e por aí vai. Teve uma vez que todos os barcos chegaram ao set de filmagem, mas o barqueiro do som, por algum motivo, se enganou, levou a equipe de som pro Peru. Ficamos um tempão esperando eles voltarem. Houve cenas também em que tivemos que andar mais de 45 minutos na floresta com a equipe e equipamentos, para rodar à noite num canto onde acontece a cena final, com mais de 56 barqueiros. Houve tempestades que quase levaram nosso cenário embora. Teve de tudo. Dizem que a Amazônia te coloca de frente com seus maiores medos, e, sem dúvida, ali percebemos que somos formiguinhas com quase nenhum controle sobre a natureza. Eu só torcia para este não ser mais um Fitzcarraldo, e todos voltarem bem e salvos para casa.
Para além disso, tínhamos três bebês sendo amamentados enquanto rodávamos o filme. Eu era uma das mães amamentando, e isso também exigiu uma logística para que essas crianças pudessem estar conosco nessa região, num ambiente seguro.