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Uma trilha para Bodanzky

26 de setembro de 2025

 

Os multi-instrumentistas Sarine (à esquerda) e Yantra, criadores da trilha para os curtas de Jorge Bodanzky no projeto Trilha ao Vivo. Foto de Ricardo Pinheiro.

 

Os filmes em Super 8 em que o cineasta Jorge Bodanzky registrou, nos anos 1970,  a construção das rodovias Transamazônica e Belém-Brasília e cidades como São Paulo, Brasília e Berlim comunicam bem sem som.  Estão lá, com grande impacto visual, as mudanças provocadas pela estrada que rasgou a floresta durante o regime militar no Brasil, os edifícios recém construídos da nova capital do país e os peões que os levantaram, o muro que dividiu vergonhosamente a Alemanha. Mas em agosto de 2024, uma edição do projeto Trilha ao Vivo, promovido pelas áreas de Música e Cinema do Instituto Moreira Salles no contexto da mostra As câmeras de Bodanzky, fez com que essas imagens ganhassem som. Mais do que som – uma trilha musical composta ao vivo pelos multi-instrumentistas Yantra e Sarine. A trilha aderiu tão harmonicamente às imagens que o próprio cineasta, presente à sessão, sugeriu que fosse incorporada aos filmes. É isso o que o IMS faz agora, disponibilizando os curtas musicados no canal de YouTube do instituto, tornando-os acessíveis a todos. Veja aqui os dois filmes:

Os curtas são, na verdade, uma coletânea de trechos de filmes super 8 que integram a Coleção Jorge Bodanzky no IMS, agrupados em eixos temáticos para serem exibidos na exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985. A mostra com curadoria de Thyago Nogueira e Horrana de Kássia Santoz (curadora assistente) esteve em cartaz no IMS Paulista de junho a setembro de 2024, passou pela Pinacoteca do Ceará (também em 2024) e acaba de ser encerrada (em 21/9/2025) no Museu Nacional da República, em Brasília.

"O Trilha ao Vivo vem sendo realizado desde a inauguração da nova sede do IMS na Avenida Paulista, em 2017, mas sempre usando filmes da época do cinema silencioso. Esta é a primeira vez em que o foco foi outro", pontua o idealizador e coordenador do projeto, Juliano Gentile. Ele convidou para o evento os músicos Yantra e Sarine, muito conhecidos no circuito alternativo de São Paulo. Sarine, nome artístico de Mariano Melo, é natural de São José do Rio Preto (SP); Yantra é como Douglas Leal, nascido em Volta Redonda (RJ), assina seu trabalho solo em shows e discos. Ambos moram em São Paulo, de onde partem para uma agenda extensa no Brasil e no exterior, em trabalhos individuais ou da banda Deafkids, que definem como de "música extrema contemporânea", com vários discos lançados em mais de 15 anos de trajetória – o mais recente, Sem esperanças, em parceria com a banda de grind/death metal Test, saiu este mês. 

"Quando assisti aos filmes, ficou na minha cabeça a ideia de um transe, algo mais minimalista, por isso pensei neles", diz Gentile. "Yantra e Sarine têm uma abordagem que é um pouco um transe meio tropical, quase uma psicodelia."

Os músicos Sarine e Yantra no evento Trilha ao Vivo, realizado em 13 de agosto de 2024 no IMS Paulista

 

Yantra conta que ele e Sarine foram para o estúdio, deixaram os filmes rolando e começaram a tocar, não para compor ali, pois a ideia do projeto é também trabalhar com improvisação, mas para entender o que funcionaria melhor, quais instrumentos conversariam mais adequadamente entre si e com as cenas exibidas:

"Compusemos de uma maneira que nós dois temos em comum em relação à criação, que são composições abertas para improvisação", explica ele. "A gente encontra uma estrutura, um início, um final, uma transição, um ritmo. Há ainda a questão de explorar a música mais modal também, mais em cima do tom, sem muita progressão harmônica, que abre espaço para algo mais espiritual. Tentamos  conversar ao máximo com os filmes de acordo com o que a gente faz, eu com guitarra, flautas e percussão, e o Mariano com bateria, percussão e sintetizadores, tentando chegar a um meio-termo de algo moderno mas com um som mais natural."

O resultado que encantou Bodanzky pode ser conferido agora nos dois filmes. Os trechos em Super 8 já haviam sido transferidos para vídeo digital de modo a serem exibidos na exposição,  com montagem de Bruna Callegari e Lorena Pazzanese (assistência). A mixagem e a masterização da trilha são de André Leal, e a sincronização, de Douglas Leal. 

Desde sua criação, em 2017, o Trilha ao Vivo já teve 12 edições. A primeira, em novembro de 2017, recebeu o compositor e instrumentista Paulo Santos, ex-integrante do Uakti, para criar a trilha de A greve (1925), de Sergei Eisenstein.  Entre vários outros convidados, o projeto apresentou o grupo Metá Metá, musicando em 2019  Inferno  (1911), dos diretores Adolfo Padovan, Francesco Bertolini e Giuseppe de Liguoro; no mesmo ano, As extraordinárias aventuras de Mr. West no país dos bolcheviques (1924), de Lev Kulechov, teve trilha tocada ao vivo pelos músicos Arrigo Barnabé e Mário Manga. Em 2022, o grupo Música de Selvagem fez a trilha para o filme Pobre Pete (1929), de Alfred Hitchcock; e, em 2023, no contexto da exposição Moderna pelo avesso (2023), no IMS Paulista, a cantora, compositora e instrumentista Juliana Perdigão e o músico e artista visual Craca criaram a trilha do filme Tormenta (1930), de Arthur Serra.