Há pouco mais de um ano, em setembro de 2023, Evandro Teixeira protagonizou um momento significativo. Discursava na cerimônia de inauguração de sua exposição Fotojornalismo e ditadura: Brasil 1964/ Chile 1973 no Museu da Memória, em Santiago, quando ergueu uma de suas câmeras e disse com voz altiva, ovacionado pelo público presente ao evento: "Esta foi a minha arma contra a ditadura no Brasil e no Chile!". A coragem e a determinação com que empunhou sua câmera/arma foram duas das muitas qualidades que acompanharam Evandro em sua longa trajetória de fotojornalismo – quase 70 anos, dos quais 47 no Jornal do Brasil.
Morto nesta segunda-feira, 4/11, aos 88 anos, ele usou a câmera como artilharia de denúncia contra regimes opressores, como o do general Augusto Pinochet no Chile e o dos militares que governaram o Brasil entre 1964 e 1985. Mas também soube disparar sua lente com lirismo, como na foto em que registrou meninas numa aula de balé na comunidade do Cantagalo, Rio de Janeiro; com indignação – caso dos ataques violentos da polícia contra estudantes em 1968; audácia – de que outro modo conseguir uma imagem da rainha Elizabeth II, em viagem ao Brasil, no ato de se sentar dentro do carro?; e humor – é notória a imagem de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Chico Buarque deitados numa mesa de churrascaria. Transitando com desembaraço por vários universos, o baiano nascido em 1935 em Irajuba construiu, desde sua chegada ao Rio, aos 22 anos, uma das carreiras mais versáteis e celebradas do fotojornalismo brasileiro. Mas foi além, desenvolvendo uma sólida produção autoral. Um de seus projetos mais notáveis foi publicado no fotolivro Canudos, 100 anos, de 1997, com uma série de imagens que revisitam os cenários marcados pelo célebre confronto no sertão nordestino.
A atividade prolífera gerou um conjunto formidável de imagens. Com mais de 150 mil fotos, o acervo de Evandro Teixeira foi incorporado ao Instituto Moreira Salles em 2019. Na página dedicada a ele neste site, há um vasto material: biografia, cronologia, listagem de exposições e eventos realizados pelo IMS, além de todo o conteúdo produzido sobre o profissional. Destacam-se os textos Uma crônica do Brasil moderno, em que o próprio Evandro, chegando ao IMS, comenta dez fotos emblemáticas de sua carreira; Instante zero do golpe, em que conta como conseguiu se infiltrar e registrar a tomada do Forte de Copacabana na madrugada de 1o de abril de 1964; e Drummond, Evandro Teixeira e Ela, que narra a relação do fotógrafo com Carlos Drummond de Andrade – inspirado pelas fotos de Evandro no JB, onde foi colunista, o poeta escreveu o poema “Diante das fotos de Evandro Teixeira”.
O site Testemunha Ocular, lançado pelo IMS em 2022, também tem um conteúdo exclusivo sobre Evandro Teixeira: uma página dedicada a ele com seleção de 50 fotos; uma entrevista em vídeo, em que relembra fatos marcantes de sua trajetória; e um minucioso dossiê de mais de 300 páginas elaborado pela pesquisadora Andrea Wanderley, com links para as páginas de jornais e revistas onde suas fotos foram originalmente publicadas, em edições digitalizadas na Hemeroteca da Biblioteca Nacional. O site ouviu ainda colegas de profissão do fotógrafo, jornalistas e fotojornalistas, que celebram sua vida. E traz um texto de Walter Firmo sobre a trajetória comum de ambos nos primórdios da revolução gráfica do JB e a amizade entre eles.
O leitor pode ainda ver a página da exposição Evandro Teixeira. Chile 1973, com curadoria de Sergio Burgi, apresentada em 2023 no IMS Paulista e que depois passou pelo Rio de Janeiro (e, em versão reduzida, Petrópolis, RJ, e Santiago do Chile), com fotos dos dias violentos que se seguiram ao golpe militar que derrubou Salvador Allende. Também foram incluídas na mostra fotografias do velório e enterro do poeta Pablo Neruda, acompanhados por uma multidão – o brasileiro foi o único a capturar imagens no interior do hospital onde Neruda acabara de morrer. Ele considerava esta cobertura uma das mais importantes de sua longa carreira. Por isso, ficou extremamente comovido quando voltou ao Chile em 2023, no marco dos 50 anos do golpe militar, para inaugurar a exposição e ser homenageado. Foi recebido no Palacio de La Moneda, sede do governo, pelo presidente Gabriel Boric, para quem autografou o catálogo da mostra.
O tour virtual da exposição ajuda a entender a importância das fotografias de Evandro como documento daquele período sombrio do Chile e do Brasil – a mostra inclui também imagens do regime militar no Brasil, em dois momentos: 1964 e nas manifestações estudantis de 1968. Fotografias desta série fizeram ainda parte da exposição Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964, apresentada em 2017 no IMS Rio, e, no ano seguinte, no IMS Paulista.
Evandro nunca foi um professor no sentido formal, mas sem dúvida foi mestre de muitos que passaram pelo Jornal do Brasil no quase meio século que trabalhou lá. Generoso, compartilhava conhecimentos e dicas com estagiários, que muitas vezes o ajudavam carregando sua escada – acessório indispensável para fazer tomadas "do alto". Até em viagem ao Xingu, como na foto abaixo, de 2012, de Milton Guran:
Referência no fotojornalismo brasileiro, Evandro reconhecia suas qualidades pessoais, como o talento e a ousadia, mas tinha a humildade dos grandes:
“Minha aventura pessoal identifica-se com a aventura vivida pelo mundo", disse ele sobre seu percurso, em frase destacada no dossiê produzido pelo IMS. "Não tenho méritos por isso; sou um homem manejando uma câmara. Quando bem operada é um fósforo aceso na escuridão. Ilumina fatos nem sempre muito compreensíveis. Oferece lampejos, revela dores do impasse do mundo. E desperta nos homens o desejo de destruir esse impasse”."
Mais sobre Evandro Teixeira
Evandro Teixeira | página do fotógrafo no site do IMS
Evandro Teixeira | página do fotógrafo no site Testemunha Ocular
Evandro Teixeira. Chile 1973 | tour virtual da exposição