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Fotoptica para todos

22 de abril de 2020

Foram vinte meses de trabalho. Cento e trinta e seis edições digitalizadas, num total de 136.123 páginas tratadas. A partir desta semana, está disponível para consulta e pesquisa online toda a coleção da Novidades Fotoptica, uma das mais importantes publicações sobre fotografia no país, que circulou entre 1953 e 1987. O projeto é o primeiro do gênero realizado pela Biblioteca de Fotografia do IMS Paulista, e também origem de uma série. A próxima revista de fotografia a ser digitalizada, nos mesmos moldes, é a Iris Foto. Em ambos os casos, as coleções foram compradas de herdeiros dos fundadores, já com contrato para disponibilizá-las ao público online.

"No começo, a Novidades Fotoptica era mais uma amostragem de produtos da loja para se comunicar com os clientes do que uma publicação com teor editorial, mas aos poucos isso foi se transformando", observa Miguel Del Castillo, curador da Biblioteca de Fotografia do IMS e responsável pelo projeto. "Na década de 1970 houve uma explosão de fotografia autoral, de fotógrafos fazendo ensaios, para si e para revistas. A Novidades Fotoptica reflete esse momento, e é interessante observar alguns nomes que não eram tão conhecidos, mas que já aparecem na revista, como o (fotógrafo americano) George Love escrevendo sobre um ensaio da Maureen (Bisilliat, cujo acervo está no IMS).

Capas das edições 1 (de 1953) e 2 (1954) da revista Novidades Fotoptica. Acervo da Biblioteca de Fotografia/Instituto Moreira Salles. © Thomaz Farkas Estate Comércio de Obras de Arte Ltda.

 

O primeiro número da Novidades Fotoptica chegou aos clientes da Fotoptica em dezembro de 1953. Era um pequeno jornal, distribuído pela  tradicional loja paulistana no momento em que o negócio criado por Desiderio Farkas, húngaro que imigrara  para o Brasil na década de 1920, completava 30 anos. A publicação, inicialmente de periodicidade semestral, era basicamente um catálogo de produtos, mas que também anunciava novidades dessa indústria. Trazia ainda seções de serviços, como avisos sobre concursos, informações para montar um laboratório e dicas de como fotografar com filme colorido, além de curiosidades no melhor estilo "você sabia?". Lendo o Novidades Fotoptica sabia-se por exemplo que "o extrato de café é o mais poderoso remédio contra envenenamento por reveladores fotográficos" ou que "223 milhões de lâmpadas flash foram queimadas no mundo todo em 1950".

O "jornalzinho" – era assim que o editorial do número 1, ocupando toda a primeira página, o chamava, sofreu uma mudança radical em 1970. Nesse ano, Thomaz Farkas, filho de Desiderio e seu sucessor no comando da loja depois da morte do pai, em 1960, encampa a transformação  do jornal em revista. Thomaz foi muito mais do que um empresário e empreendedor. Era fotógrafo e cineasta, um dos pioneiros do modernismo fotográfico brasileiro, cujo acervo de imagens está desde 2008 sob a guarda do IMS. Sob o comando de Thomaz Farkas, a Novidades Fotoptica virou um dos principais veículos do gênero no país. Referência para fotógrafos e amantes desta arte, com portfólios, ensaios e textos críticos, ela  circulou até 1987 –  e, somando-se os dois formatos, foram lançadas 136 edições. É uma coleção preciosa, disponibilizada a partir desta semana para consulta e pesquisa pública, online, no site do IMS.

"Trabalhamos com todos os parâmetros de conservação, criando uma política de digitalização e preservação desse tipo de material" conta a bibliotecária Vania Santos, supervisora técnica da Biblioteca de Fotografia. "Além de entrar no ar como revista digital, podendo ser folheada uma a uma, cadastramos todos os volumes no catálogo online, num total de 136.123 páginas tratadas,  com palavras-chave, temas ou fotógrafos, tornando a pesquisa muito fácil."

Para pesquisar ensaios como o da inglesa Maureen Bisilliat citado por Del Castillo, que registrava mulheres caranguejeiras em Livramento, na Paraíba, capa da edição 41, basta procurar por  "Maureen" (ela aparece em 40 números da revista) ou, sendo mais específico, "caranguejeiras" (uma entrada, apenas). O americano George Love era editor de fotografia da publicação na época, e chamava a atenção, em seu texto, para o "confronto direto e brutal", além da "força sensual e lembrança da morte" que emanava daqueles registros. Ainda em 1970, o número 43 trazia um ensaio de Claudia Andujar com os Yanomami. E, em dezembro, a publicação fechava seu primeiro ano no formato revista exibindo, no número 45, um ensaio com fotos familiares, realizadas em Nova York, de Otto Stupakoff, um dos maiores nomes da fotografia de moda no país.

Ao longo de sua existência, a Novidades Fotoptica foi um retrato da evolução e da percepção da fotografia. Em seu penúltimo ano, 1986, a capa da edição 127 trazia um ensaio de Milton Montenegro, intitulado "Rumo ao futuro". A editora Solange Oliveira chamava a atenção para o trabalho "estimulante" e "inédito", no Brasil, do fotógrafo carioca: a união da fotografia com o processo eletrônico de vídeo e computador, do qual ele foi pioneiro no país.

Capas das edições 43 (de 1970), com ensaio de Claudia Andujar, e 127 (de 1986), com reportagem sobre o trabalho de Milton Montenegro com fotografia digital. Acervo da Biblioteca de Fotografia/Instituto Moreira Salles. © Thomaz Farkas Estate Comércio de Obras de Arte Ltda.

 

A última edição, no ano seguinte, dava mais um sinal de como a fotografia estava rompendo barreiras e entrando em bastiões antes impensáveis: um artigo de Roberto Amado anunciava a criação, no Museu de Arte Moderna do Rio, da primeira reserva fotográfica do país, capitaneada pelo fotógrafo e pesquisador Pedro Vasquez, diretor do então recém-criado Departamento de Fotografia, Vídeo e Novas Tecnologias da instituição.

A coleção da Novidades Fotoptica chegou ao IMS quando o instituto estava criando sua sede paulista (inaugurada em 2017), e, com ela, a Biblioteca de Fotografia, hoje com 14 mil itens – a área é um dos principais campos de atuação do IMS. Uma parte do acervo pessoal de Thomaz Farkas (1924-2011) foi adquirida, e, já na ocasião, feito um contrato no qual os herdeiros autorizavam a digitalização da coleção de revistas. O trabalho teve início em junho de 2018. Para levá-lo a cabo, foi comprado um scanner planetário, próprio para livros e material em brochura, de modo que o material, sensível, não precisasse sair da sede da instituição na Avenida Paulista. É este equipamento que será usado agora para digitalizar também a Iris Foto, mais longeva revista de fotografia a circular no país – foi lançada em 1947 e seu último número data de 1999.

Nani Rubin é jornalista e integra a coordenadoria de internet do IMS