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Silvio Pinhatti e a paixão pela fotografia

17 de fevereiro de 2021
Silvio Luiz Pinhatti e Maureen Bisilliat no laboratório com Assis (à esquerda), personagem, quando criança, da foto Menino-anjo

 

Quando Maureen Bisilliat começou a produzir com o Instituto Moreira Salles sua exposição Maureen Bisilliat: Fotografias, retrospectiva aclamada pela crítica e pelo público na galeria de arte do Sesi-SP, em 2010, recorreu a Silvio  Luiz Pinhatti para ampliar os negativos de algumas de suas séries mais notáveis, como o universo de Guimarães Rosa, os sertões de Euclides da Cunha e indígenas do Xingu. Era uma parceria compreensível: uma das mais importantes fotógrafas em atividade no Brasil buscou um dos maiores laboratoristas do país para poder exibir a sua obra.

Hoje, essas ampliações estão no acervo do IMS, guardião da totalidade da produção da fotógrafa inglesa radicada em São Paulo, que acaba de completar 90 anos (em 16/2). São parte do legado em prol da fotografia deixado por Pinhatti, que faria 62 anos nesta sexta-feira, 19/2, e morreu em dezembro de 2020 em decorrência de complicações provocadas pela Covid-19. No seu estúdio-ateliê em Pinheiros, zona oeste da capital paulista, o impressor  recebia com frequência, além de Maureen, nomes como Mario Cravo Neto (cujo acervo também se encontra no IMS), Claudia Andujar (são dele várias ampliações no pavilhão da artista no Instituto Inhotim), Araquem Alcântara e Nair Benedicto.

É da época da exposição no Sesi o vídeo de seis minutos, reproduzido aqui, em que Maureen acompanha a ampliação de uma foto icônica sua, a do menino-anjo, que seria incluída na mostra. Também está presente no laboratório Assis, o menino retratado, agora já adulto.

 

Coordenador de Fotografia do IMS, Sergio Burgi chama a atenção para algo que transparece no vídeo: o grau de admiração mútua que permeia o trabalho de Maureen e Pinhatti.

"Quando você trabalha no p&b, de negativo para positivo, você está sempre interpretando algo. Você pode estar até ao lado do fotógrafo, mas vai acabar produzindo algo para que eles olhem e vejam se está na linha do que está pensando ou não. É uma coisa performática, é preciso dominar uma série de variáveis, um saber associado a como extrair nuances de luz, de tons, de cinzas.  É um domínio de um processo e um fazer criativo que trabalham junto com o olhar de quem criou aquela imagem. Não conheço nenhum fotógrafo que trabalhe com um impressor de qualidade que considere subalterno. Em geral o fotógrafo tem uma relação de absoluto respeito e quase dependência por quem está ali, como é possível ver no vídeo." 

Paulista de Rio Claro, Silvio começou sua carreira como fotógrafo nos anos 70, e aos poucos foi se especializando, dominando a área de laboratório, passando a prestar serviços. Passou a produzir ampliações de qualidade em conjunto com diversos autores, acompanhando muito o circuito de arte, que teve crescimento significativo a partir dos anos 2000. Em São Paulo ele se firmou como um grande impressor, e, observa Burgi, mais do que isso: 

"Também foi um dos poucos a ir no limite possível dos formatos.  É muito difícil você trabalhar com negativo 35 mm, p&b, que tem um tamanho de 2,5cm por 3,5cm, e ir além de 1,20m por 1,50m de ampliação, mas dá para ir. Algumas imagens da Maureen que o Silvio ampliou para a exposição no Sesi têm esta dimensão. É o limite do papel fotográfico disponível." 

 

Menino-anjo/ Assis, 1963. Parte do ensaio Pele preta, realizado em São José do Rio Pardo, a imagem foi ampliada por Silvio Luiz Pinhatti para a exposição Maureen Bisilliat: Fotografias. Foto de Maureen Bisilliat/ Acervo IMS
Menino-anjo/ Assis, São José do Rio Pardo, SP, 1965, também ampliadas por Pinhatti. Fotos de Maureen Bisilliat/ Acervo IMS

 

Burgi nota ainda o papel do impressor como criador, um laboratorista mais "sofisticado" que, diferentemente de profissionais surgidos nos primórdios da imprensa, não se limitam ao lado mecânico do trabalho. Pinhatti, diz ele, se enquadrava nessa figura de intérprete dos desejos do fotógrafo.

"Considero que pegar um negativo como este da Maureen, que está neste vídeo, discutir com ela e chegar a um resultado ideal é como interpretar uma partitura. É uma performance criativa, artística. Primeiro é preciso dominar a técnica, para depois enfrentar aquela partitura – no caso, aquele negativo. É preciso ter uma noção do que o autor busca, e executar tomando decisões que são decisões para construir um resultado de fruição, sensorial. O Silvio fazia isso muito bem."

Um dos últimos trabalhos realizados por Silvio Pinhatti foi para a própria Maureen, com quem manteve uma parceria de duas décadas. No ano passado, ele ampliou as fotografias reunidas na exposição Maureen Bisilliat Ecolines, que ficou em cartaz de agosto a outubro de 2020 na Galeria Marcelo Guarnieri, em São Paulo. Ela dá seu depoimento sobre o amigo:

"Na última conversa que tivemos, já do hospital, Pinhatti me ligou no seu WhatsApp, agitado por um compromisso técnico que tinha que ser enviado a um cliente. Compreendo bem essa aflição, esse perfeccionismo e precisão! Um grande profissional, Silvio Pinhatti deixou seus herdeiros. O Laboratório Silvio Pinhatti continuará!"

Nani Rubin é jornalista e integra a coordenadoria de internet do IMS