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Contraste

Rio de fotografias

 

Há 30 anos o psicanalista, fotógrafo, cineasta e produtor cultural José Inacio Parente compôs uma ode de amor à fotografia e ao Rio de Janeiro, cidade que este cearense de Fortaleza escolheu para morar desde os 18 anos. A composição, o média-metragem Rio de memórias, que será exibido numa sessão comemorativa dia 31 de agosto, às 19h30, no IMS Rio, acompanha a evolução da fotografia e da metrópole, lado a lado, desde 1840 até as três primeiras décadas do século XX, contando a História por meio de imagens preciosas selecionadas em acervos fotográficos diversos e costuradas habilmente pelo diretor. Se hoje a técnica de animação das fotografias parece banal, principalmente porque os aparatos digitais facilitaram bastante a vida dos realizadores, há três décadas a obra de Parente foi considerada uma espécie de desbravadora do recurso, e arrebanhou nada menos que 12 prêmios no Brasil e no exterior.

Logo após a exibição no IMS o diretor vai lembrar a premiada trajetória de sua obra conversando com três personagens que fizeram parte dessa história: a mestre em antropologia Patricia Monte-Mór, sua mulher e responsável pela minuciosa pesquisa do filme, além da produção e assistência de direção; o cineasta Walter Carvalho, que filmou as cenas de reconstituição de época com atores; e Sergio Burgi, responsável pela consultoria especializada, que na ocasião trabalhava na Funarte e hoje é coordenador de fotografia do IMS.

A história do filme e do IMS, aliás, acabaram se cruzando no tempo. Uma das principais fontes de pesquisa para Rio de memórias foi a coleção Gilberto Ferrez que, em 1998, anos depois da estreia da produção, foi uma das primeiras aquisições do instituto para a formação de seu arquivo fotográfico. A maior parte da coleção é constituída pelo trabalho de Marc Ferrez, um dos fotógrafos a quem Parente dedica o filme. O outro é Augusto Malta, nome também presente no acervo do IMS, que tem hoje cerca de 2 milhões de imagens cobrindo a trajetória do país do século XIX às sete primeiras décadas do século XX. “São várias questões que nos aproximam da obra de Parente, como o fato de pensarmos o papel da fotografia no âmbito da difusão da memória, da história da cidade, além de sua integração com outras artes”, comenta Burgi.

 

Marc Ferrez. Escravos em terreiro de uma fazenda de café na região do Vale do Paraíba, c. 1882. Vale do Paraíba (Acervo IMS)

 

Ferrez e Malta tiveram papel fundamental no florescimento da fotografia no país, e suas lentes registraram o Rio como poucos. Na obra dos dois a cidade se revela e se desdobra sob diversos ângulos, não apenas arquitetônicos e urbanísticos, como também sua população, costumes e cultura.

“Eles são os grandes nomes nesse filme. Usei fotografias incríveis do Ferrez, o olhar e a composição que ele cria são fantásticos. E Malta é único, foi quem registrou todas as mudanças urbanas no Rio de Janeiro”, diz Parente, que fotografa desde os 14 anos, já tem alguns livros publicados sobre o assunto, e tornou-se colecionador de fotografias antigas, com um acervo de milhares de imagens de famílias brasileiras e estrangeiras, reunidas numa exposição em 2016. “Quando comecei a fazer esse filme não se conhecia nada do Rio em fotografias de época, os acervos eram descoordenados, não havia muita informação disponível como hoje. Tive que consultar todos e vi mais de 70 mil fotografias para compor o filme. Inicialmente ele foi projetado para ter 13 minutos, mas diante do material encontrado não havia como não crescer”, lembra o diretor e fotógrafo, que mantém seu consultório de psicanálise há décadas. “Gosto dessa diversidade, uma atividade alimenta a outra”.

Ao todo foram usadas 327 fotografias, estrelas do conjunto costurado não apenas pela técnica de animação (com o uso da truca, máquina que permitiu a ele filmar uma mesma imagem em diversos pedaços e ângulos), mas também pelo texto do próprio Parente, narrado pelo ator Rubens Corrêa (1931-1996), que usa e  recria trechos publicados em jornais e revistas da época. “Eu tinha lido muitas coisas daquele período, então já estava com esse tom na minha cabeça. Quis garantir a poesia na história, não queria algo objetivo, duro, que falasse apenas sobre processos fotográficos, por exemplo. Então fui refazendo conforme o estilo”.

 

Marc Ferrez. Cinema Pathé, c. 1919. Rio de Janeiro, RJ (Acervo IMS)

 

Além de Malta (com 178 imagens no filme) e Ferrez (com 35), ajudam a reconstruir a história da fotografia e do Rio obras de nomes como Guilherme Santos, Revert Henrique Klumb, Joaquim Insley Pacheco, Juan Gutierrez e o Abade Comte (que em 1840 trouxe para o Brasil o processo fotográfico da daguerreotipia), pesquisadas também nos acervos da Biblioteca Nacional, Museu da Imagem e do Som, Arquivo Geral da Cidade (onde está grande parte da produção de Malta), Museu Histórico Nacional e na coleção D. Pedro de Orleans e Bragança. Em pouco mais de meia hora, o filme registra as primeiras experiências com a fotografia, mostra a paixão de D. Pedro II pela arte que ajudou a incentivar, passa pelas lutas operárias e greves, recorda as profundas reformas urbanas, a alegria do carnaval de rua e dos banhos de mar, chegando ao encantamento do público pelo cinema.

A sessão comemorativa de Rio de memórias será complementada com a exibição de dois curtas de Parente: A trama das redes (1980), sobre o trabalho árduo de um homem que cria redes de dormir, e Acorde maior (1983), alegoria sobre o movimento operário construída a partir de uma singela caixinha de música que toca a “Internacional Socialista”.