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Os filmes de Robert Frank

19 de setembro de 2017

 

Robert Frank começou a fazer filmes em 1959, quando, segundo suas próprias palavras, deixou a máquina fotográfica no armário e comprou uma câmera 16 mm. Entre esse momento e 2008, Frank realizou, com maior ou menor estrutura de produção, cerca de 30 obras, entre longas, curtas e médias, ficção, videoclipe ou programa de TV. De 22 de setembro a 8 de outubro, a sala de cinema do novo IMS Paulista apresenta a Retrospectiva Robert Frank, maior mostra já dedicada à obra cinematográfica do fotógrafo no Brasil, com filmes projetados em seus formatos originais. A mostra é uma extensão da exposição Robert Frank: Os americanos e Os livros e os filmes.

Há algo de errante na trajetória cinematográfica de Frank, o que torna difícil descrevê-la a partir de categorias estritas; isso transparece ao termos a oportunidade de ver todos estes filmes em conjunto. Muitos deles são como deambulações espontâneas, cuja força surge a partir da intimidade de quem filma com quem é filmado, como é o caso de Eu e meu irmão [Me and My Brother, 1968], Conversas em Vermont [Conversations in Vermont, 1969], Sobre mim: um musical [About Me: a Musical, 1971], entre tantos outros. Trabalhando majoritariamente com formatos de captação não profissionais (16 mm e, posteriormente, o vídeo), Frank filma incansavelmente as pessoas ao seu redor, sua família e amigos próximos. Alguns deles calham de ser figuras-chaves da cultura americana na segunda metade do século XX, como Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Tom Waits ou ainda Richard Serra, que faz breve participação em Mantenha-se ocupado [Keep Busy, 1975].

Ao mesmo tempo que é delicado ou mesmo redutor ver seus filmes apenas sob o prisma da sua vida pessoal, e resumi-los aos seus participantes conhecidos, é inegável que a maior parte deles esteja colada a essa trajetória particular. Por isso a opção de apresentá-los em sessões que respeitam a ordem cronológica, criando um conjunto em que algumas questões e certos modos de operação reverberam em momentos distintos. Em filmes como C’est vrai! (uma hora) [C’est vrai! (One Hour), 1990] ou Esta canção para Jack [This Song for Jack, 1983], a câmera se move com frequência, sempre à busca e sempre perto de quem fala. É como se acompanhássemos o raciocínio de Frank à medida que ele vai se desenvolvendo, em seu próprio ritmo, mais ou menos acelerado. Para o crítico e programador Kent Jones, nos filmes de Frank, “conexões são feitas e metáforas são criadas tão naturalmente quanto respirar, e passamos para o próximo pensamento, a próxima sensação, a próxima realização, o próximo instante de esquecimento, sonho, associação livre. Ou lembrança.”

 

Cena do filme Eu e meu irmão, de Robert Frank

 

O gesto da lembrança é uma constante – muitos dos filmes abordam a morte de pessoas próximas: Jack Kerouac, os filhos Andrea e Pablo, o amigo pintor San Yu. A perda é abordada de maneira direta, como filmar a notícia do acidente de avião que vitimou Andrea em E a vida segue dançando… [Life Dances On…, 1980] ou a narração de Frank em O presente [The Present, 1996] no dia em que a filha faria aniversário: “Eu me pergunto no que ela estaria pensando”. Ou ainda a busca, mais de 30 anos depois, pelas memórias reminiscentes de San Yu, em leilões, cartas para a viúva e até mesmo visitando o local onde o amigo faleceu em Paris. Em comum a todas essas obras, a ausência de autocomiseração e de indulgência sentimental, com a melancolia sendo exposta sem intermédios.

Também encontram-se na obra de Frank filmes de uma energia vital, quando ele parte ao encontro do outro de uma maneira vigorosa e, quiçá, complementar ao lamento de outros filmes. A própria força visual implicada na busca do que há de “real naquilo que é filmado” e nas múltiplas mudanças de direção na narrativa de Eu e meu irmão serve como exemplo. Se, aqui, como diz Stefan Grisseman, Frank é esperto o suficiente para saber que essa busca está fadada ao fracasso, o fracasso não poderia ser executado de maneira mais pungente quanto na fala de Julius Orlovsky ao final do filme.

O único título que não foi realizado por Robert Frank presente nesta retrospectiva é o de sua colaboradora de longa data, Laura Israel. Don’t Blink – Vida e obra de Robert Frank (Don’t Blink, 2015) funciona como um guia para adentrar a obra do amigo, cuja vida ela descreve como uma “imensa cebola, composta por camadas”, pois não paramos de encontrar novas coisas ou novos prismas pelos quais podemos ver as mesmas coisas. Enigmáticos, ainda que diretos, é como se os filmes de Frank fossem um gesto continuado dos instantes presentes em suas fotos, um movimento contínuo da sua própria vida. São filmes vivos, portanto, e que têm a feliz característica de não se esgotarem ao serem vistos e revistos.