Escrever com a imagem e ver com a palavra
Fotografia e literatura na obra de Maureen Bisilliat
O cão sem plumas
Maureen Bisilliat (fotografias) e João Cabral de Melo Neto (texto).
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, 56 pp
[O rio] Nada sabia da chuva azul
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos polvos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
João Cabral de Melo Neto
Depois de concluir seu Sertões: luz & trevas, e transitando cada vez melhor no mercado editorial, Maureen Bisilliat propôs ao editor da Nova Fronteira, Pedro Paulo de Sena Madureira, não apenas um livro, mas toda uma coleção. Dirigida por ela e intitulada Poemas do País, sua proposta era “um traçado de equivalências, onde texto e imagem se justapõem, por consonância ou dissonância se agregam, e se encontram em equidistância de voo”. O primeiro livro – o único publicado, pois a coleção, que previa nos volumes seguintes Jorge de Lima, Mário de Andrade e Sousândrade, acabou não indo adiante – foi baseado em O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto.
Ao poema do pernambucano, a fotógrafa associou imagens que havia feito para uma reportagem da Realidade, com texto de Audálio Dantas, sobre os homens e as mulheres que viviam da caça ao caranguejo na região de Livramento, na Paraíba. A matéria fora uma sugestão dela e de Dantas, que tiveram a ideia após assistir ao filme Os homens do caranguejo (1968), de Ipojuca Pontes. Maureen entrou na lama do rio e acompanhou com sua câmera as mulheres “caranguejeiras”, e o ensaio foi capa da edição de março de 1970 da revista. O preto e branco das fotografias reforça a ideia da triste simbiose entre essas personagens e a lama, ecoando os versos do poeta. Os homens aparecem em algumas poucas fotos, em cores, na parte final do livro.
Juntar essas fotos com o texto escrito originalmente em 1950 (reproduzido na íntegra) caía como uma luva, pois, para ela, “João Cabral tem a mesma dureza passional de Drummond, mas é diferente, pois é mais político, no sentido social”. “Para o João Cabral”, diz, “o cão sem plumas era o Capibaribe, em Pernambuco; para mim, é esse rio em Livramento, na Paraíba.” Com essa frase simples, Maureen resume a operação que faz nesta e em muitas de suas “equivalências”: une um universo seu, complementar, ao do texto literário, e esse contato potencializa ambos.
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