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Instituto Moreira Salles, 30 anos

8 de Agosto DE 2022 | nani rubin
Fachada do IMS Poços, primeira unidade do Instituto Moreira Salles, inaugurada em 1992

 

Uma ideia que começou a germinar no fim dos anos 1980, o Instituto Moreira Salles completa 30 anos da inauguração de seu primeiro centro cultural neste 8 de agosto de 2022. Não o do Rio, com sua mítica casa da Gávea idealizada por Olavo Redig de Campos, residência por mais de quatro décadas do embaixador Walther Moreira Salles e sua família. Nem a de São Paulo, com seu moderno e premiado edifício de fachadas de vidro projetado por Andrade Morettin Arquitetos e erguido na Avenida Paulista, uma das principais artérias da capital, substituindo o espaço em Higienópolis. O IMS concebido por Moreira Salles ao lado de Antonio Fernando de Franceschi, seu primeiro diretor superintendente (de 1992 a 2008), tomou forma pela primeira vez em Poços de Caldas, num chalé centenário de estilo eclético construído em 1894 pelo arquiteto italiano Giovanni Battista Pansini para a família do banqueiro e fazendeiro de café Cristiano Osório de Oliveira.

Mas por que Poços de Caldas? A bucólica cidade no sul de Minas Gerais, conhecida pelas qualidades terapêuticas de suas águas termais e por sua natureza generosa, não seria uma escolha óbvia se fossem pensados apenas fluxo de visitantes, visibilidade, ressonância de sua programação na imprensa e na comunidade artística e cultural do Brasil e do exterior. Entretanto, entre uma ideia e sua execução há fatores subjetivos que não podem ser mensurados matematicamente. No caso de Poços de Caldas, o valor simbólico se revela no imenso afeto da família pelo local onde o patriarca João Moreira Salles (avô do documentarista homônimo) prosperou em seus negócios e onde nasceria, em 1924, a Casa Moreira Salles, precursora do Unibanco. Era natural que Walther, o primogênito entre quatro irmãos e herdeiro do pai no comando do banco, cultivasse o desejo de retribuição.

Lucrécia e João Moreira Salles com os filhos Hélio (primeiro à esquerda), Walther (de terno), Elza (à direita) e José Carlos. Poços de Caldas, MG, 1924 (Arquivo WMS/Acervo IMS)

 

A Casa de Cultura Poços de Caldas, nome original do IMS Poços, foi inaugurada em 8 de agosto de 1992 depois de passar por um minucioso processo de restauração. À época de sua construção, fazia parte de um conjunto de três chalés de veraneio (um deles já não existe), todos da mesma família, e ficava um pouco afastado, no lado leste da cidade. Hoje o Jardim dos Estados, bairro residencial onde está localizado, se situa próximo ao centro comercial de Poços de Caldas. O antigo quintal de 1.736 m2 foi ocupado por uma construção de dois andares, projeto do arquiteto Aurélio Martinez Flores, onde acontecem as exposições, os eventos e shows. É pelo primeiro piso desse pavilhão que se tem acesso ao Chalé, onde funcionam a administração, o café e ainda uma área expositiva que pode ser usada como extensão das mostras realizadas no pavilhão de exposições.

Atualmente, ambas as construções passam por reformas. A da área expositiva será concluída em dezembro, para receber em janeiro a mostra Ocupação Eduardo Coutinho, uma parceria do Itaú Cultural com o IMS, que já esteve em cartaz no IMS Rio. A conclusão das obras do Chalé está prevista para um pouco antes, a tempo de participar das comemorações de 150 anos da fundação da cidade, em 6 de novembro.

O IMS Poços é uma grande referência cultural na cidade de 168 mil habitantes e naquela região de Minas. Sua Inauguração foi marcada com a realização de sete exposições simultâneas, entre elas uma mostra iconográfica sobre João do Rio, uma de arte moderna brasileira e outra de desenhos de Di Cavalcanti. Desde então, o instituto abrigou mais de 180 mostras em 30 anos de atividades, muitas delas relativas à própria história de Poços (veja aqui todas as exposições já realizadas no local), tendo recebido mais de 800 mil visitantes. No ano passado, provocou comoção ao inaugurar a mostra Retratos de Limercy Forlin, com 7.500 fotografias de moradores de Poços de Caldas – o fotógrafo tinha um importante estúdio na cidade, especializado em retratos para documentos e registro de eventos, e guardou milhares de negativos feitos a partir de 1945, ano em que abriu o negócio, e 1986, quando morreu (depois disso, a família deu continuidade à atividade).

O Chalé de 1894 restaurado para abrigar, em 1992, a primeira unidade do IMS, em Poços de Caldas. Foto de Gilmar Tavares

O acervo de Limercy está desde 2016 sob a guarda do IMS – a fotografia é um dos pilares sobre os quais se constituiu o instituto, com acervos como os de Marc Ferrez, Marcel Gautherot, Maureen Bisilliat e José Medeiros. A unidade de Poços promoveu variados cursos de fotografia, tendo contribuído para a formação de profissionais atuantes no mercado e com destaque em festivais da área. Também promove shows, sessões e mostras de cinema não comercial, fundamentais numa cidade onde há apenas duas salas de exibição (e dois teatros). Haroldo Gessoni, diretor da unidade, observa que o IMS Poços colabora "para o desenvolvimento do pensamento crítico dos moradores da cidade, especialmente estudantes, a respeito de cultura, arte e audiovisual.

Exposição Retratos de Limercy Forlin: Um recorte na história de Poços de Caldas, que esteve em cartaz de15/5/2021 a 6/3/2022: sucesso de público no IMS Poços. Foto de Marina Marchesan

 

Pouco depois de Poços, foram implementadas as sedes de São Paulo em Higienópolis (1996), e Belo Horizonte – em 1997, mas cujas atividades foram descontinuadas em 2009. Em 1999, foi aberto ao público o IMS Rio, na residência dos Moreira Salles na Gávea, com os jardins originais e o painel de azulejos projetados por Burle Marx.

​A casa revela o apreço de Walther Moreira Salles pelas artes. A criação do IMS pode ser vista como o coroamento de uma trajetória em que o homem de finanças e o homem da cultura entrelaçaram-se. Se o amor pelas pinturas e esculturas imprimiu  suavidade ao mundo árido dos negócios, o sucesso neste último permitiu atitudes generosas de um verdadeiro patrono das artes. Moreira Salles foi doador importante de obras para o então embrionário Museu de Arte de São Paulo fundado por Assis Chateaubriand (doou, individualmente, telas de Picasso e Bellini, e participou em grupo da compra de mais sete obras, de Van Gogh, Renoir, Rembrandt, Velázquez, Degas e Modigliani). Integrou o exclusivo Conselho de Notáveis do MoMA de Nova York, a convite de David Rockfeller, seu presidente, e foi diretor-tesoureiro (1951-1952) e depois presidente (1968-1974) do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Quando se afastou das atividades empresariais, em 1991, tornando-se Presidente de Honra, dedicou-se com mais afinco à gestão do Instituto Moreira Salles, do qual era presidente do Conselho Consultivo, integrado por intelectuais como Antonio Candido de Mello e Souza, Francisco Iglésias, Jurandir Ferreira, Decio de Almeida Prado, Otto Lara Resende e Lygia Fagundes Telles, entre outros. Desde então, o IMS só fez crescer. Aos acervos dos primeiros anos, somaram-se dezenas de outros. Hoje são quase 200 titulares, de áreas como Fotografia, Literatura, Música, Iconografia e Fotografia Contemporânea.

Walther Moreira Salles, diretor-superintendente do Banco Moreira Salles no seu gabinete de trabalho em Poços de Caldas, cerca de 1940. Arquivo Walther Moreira Salles/ Acervo IMS

 

O IMS abriga ainda 18 sites, entre eles os de Clarice Lispector, Pixinguinha e Ernesto Nazareth, Discografia Brasileira, Rádio Batuta, Portal da Crônica Brasileira e o recém criado Testemunha Ocular, dedicado ao fotojornalismo. Edita ainda duas revistas, a ZUM, de fotografia contemporânea, e a serrote, de ensaios. Tem uma programação de cinema pulsante, à margem do circuito comercial, e promove dezenas de cursos, encontros, debates e ações dirigidas a professores.  Atualmente, há cinco mostras em cartaz, entre elas Constelação Clarice, no IMS Rio, e Daido Moriyama: uma retrospectiva, no IMS Paulista, além de uma grande mostra sobre o fotógrafo Walter Firmo – só esta unidade recebeu desde sua abertura, em 2017, 1.848.247 visitantes. Algumas exposições do instituto extrapolaram as fronteiras do Brasil. Claudia Andujar: A luta Yanomami itinerou por cinco países, com uma acolhida calorosa de público e da imprensa, chamando a atenção internacional para os conflitos que ameaçam os povos indígenas do país. O IMS ainda cumpriu um papel importante na pandemia, quando a produção cultural foi esvaziada,  ao comissionar obras de 171 artistas no Programa Convida, divulgadas através do site do instituto.

Detalhes das fachadas das três unidades do Instituto Moreira Salles: a partir da esquerda, o chalé de arquitetura eclética do IMS Poços, os cobogós da casa modernista do IMS Rio e a pele de vidro contemporânea do IMS Paulista